quarta-feira, 18 de setembro de 2013

O suicídio de um avatar.

"Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeira companhia." - já dizia o Nietzsche...



       Longe de querer discorrer rigorosamente sobre qualquer teoria da identidade pessoal, mas sim fundado em algumas crenças simples sobre esse assunto, posso dizer: Quem sou nas redes sociais não é "eu", é um avatar de mim mesmo, óbvio. Se somos avatares em qualquer lugar que estamos é outra história... (O foco aqui não problematizar a noção de personalidade e identidade pessoal, como dito). Mas de um ponto de vista trivial, seria loucura negar que há um salto na diferença entre nós quando nos relacionamos com o olho no olho e quando nos relacionamos com os olhos em o monitor de um computador. Digitamos e não falamos, nossas expressões corporais se resumem há alguns emoticons, a tonalidade de nossa voz faz-se notar no máximo pela distinção caixa baixa/caia alta. Sinto-me solitário. Mais, sinto que parte de minha solidão se deve pelo abandono do modo 'natural' de se relacionar com as pessoas, que troquei no decorrer dos anos por um modo virtual. Sem perceber, o virtual tomou a primazia, e meu mundo repleto de "curtição", "conexão" e "compartilhamento", se mostrou uma grande e absurda ilusão. Talvez essa ilusão de interação seja parte da minha formação, e da formação relacional de toda uma geração. Dado esse encontro terrível e desconcertante com um Nada, optei pelo suicídio... de meu avatar, é claro. Mas não me sentiria bem em partir dessa pra uma outra sem antes elucidar algumas coisas:

1º) Não é "frescura": 

         Longe de ser uma coisa de fresco sentimental (nada contra as frescuras sentimentais), realmente alguma coisa de muito grande e muito errada aconteceu e está acontecendo no "setor" de minha vida que poderia chamar de "relacionamentos inter-pessoais". Não há com quem possa contar em caso de apuros, salvo alguma rara exceção, e nem em todo tipo de apuro. Um homem não pode viver sem a garantia da amizade. Mais, faz alguns anos que me deparo com a questão de com quem devo compartilhar a alegria do aniversário, das férias, e das coisas pequeninas e sublimes também; de uma maneira ou de outra, não encontro uma resposta satisfatória. O estranho é que constam quatrocentos e vinte e poucos amigos na minha lista de "amizades" do Facebook.  A verdade, porém, é outra. Me afastei de todas as pessoas. Todas. Se a ideia era aproximar as pessoas, a experiência mostrou que é mais comodo teclar com um amigo que está em uma distância de duas quadras de ti do que ir até a casa dele. Você troca mensagens, mas se afasta das pessoas. E se o afastamento geográfico é ruim, o pior efeito colateral das redes sociais não é esse: há afastamentos mais elementares. "Relacionamento" é uma palavra que é ligada semanticamente com o verbo "relar". Ela extrai seu sentido do verbo "relar": encostar, tocar, esfregar. O sentido de um relacionamento está embasado no contato sensual. Não quero com isso negar a legitimidade dos relacionamentos à distância de toda ordem que existem por aí. O ponto é que não é mentalmente nem fisicamente saudável quando TODOS os teus relacionamentos NECESSARIAMENTE passam por um distanciamento virtual. A etiqueta atual considera excêntrico que tu se relacione com alguém antes de verificar o perfil publicado em uma rede social. Se você não possui um perfil desses, é atrasado, ou pior, é estranho e pode ter razões malignas que tornam inconveniente essa exposição que nós naturalizamos tão bem. Nos catalogamos voluntariamente em um "livro de faces" para sermos julgados uns pelos outros... Ok, mas não nos julgaríamos igualmente sem redes sociais? Com certeza, mas da mesma forma como os homens se mataram uns aos outros independente da tecnologia envolvida, no século XX experimentamos a industrialização da morte, coisa mais feia que já se viu... Agora, para além das máscaras, da maquilagem cosmética, dos finos trajes que influenciam a retórica estética e de valores de nossas aparências conseguimos depositar sobre nós uma belíssima e eficiente camada de engodo digital. Poderia se dizer que é só mais do mesmo, é o nosso jeito de ser, por questões de cultura ou natureza, sempre fomos assim e não há nada de tão terrível com isso (o que tendo a concordar, não sou aficionado por essências), mas aí entra o ponto 2º.

2º) Um meio de se comunicar não é apenas um meio de se comunicar:

         É um modo de ser no mundo. As redes sociais vem se desenvolvendo fazem alguns anos em nosso meio, eu mesmo comecei com o finado Orkut, rede social que só abandonei pois que migrei para o Facebook. De antes de lá pra cá, muitos e distintos ethos comunicativos se estabeleceram, desde regras de etiqueta virtual (já mencionada), até sutilezas para o sucesso na sedução, nos negócios, na congregação de parceiros on-line. Com isso nosso modo de ser para além da atividade comunicativa também se modificou, criamos novas categorias e formas de pensar o mundo. Surge então uma legião de seres humanos com novos conceitos e velhas tendências de rebanho; amantes de gadgets, redes sociais, memes e toda sorte de coisa que se enquadra no universo dito Hype. Não posso e nem devo argumentar contra as evidentes colaborações das modernas comunicações para o desenvolvimento científico, econômico e até mesmo social de muitas comunidades. Mas posso e devo argumentar sobre os efeitos colaterais desse momento de nossa tecnologia: a técnica é a mudança que o homem efetua na natureza, mudança essa que acaba por mudar o homem em sua própria natureza. As relações humanas são essencialmente perpassadas pela comunicação e o modo de comunicar-se altera o modo como se relaciona. Estamos vivendo um momento de mudança não trivial, uma troca de paradigmas comunicativos e relacionais sem precedentes. Se não posso deixar de reconhecer os benefícios desses adventos, não posso deixar de lamentar que eles balançaram coisas muito caras para os diversos sentidos de ser humano que existiram até então. Nessa fase de mudança muita coisa se vai perecer, muitas coisas novas vão aflorar. O que preocupa é que há intencionalidades e intencionalidades envolvidas nesse processo: o mercado da futilidade, a obsolência programada, o controle corporativo/estatal, a comodidade dos paraísos virtuais frente à realidade mundana com toda a sua crueldade e beleza. Se alguém livremente escolheu esse caminho para si, vou julgá-lo um idiota, em princípio. Mas, como acontece com praticamente todos nós, somos inseridos nesse "movimento evolutivo tecnológico" por força de circunstâncias, irrefletidamente e desavisados dos perigos, isso é trágico. Faço a escolha de seguir por outro caminho, o quanto me for permitido: não quero negar a tecnologia em si, mas não vou engolir todo o pacote de mutilações que ela impõe há toda uma nova geração. 


3º) Poluição mental:

                Minha mente está poluída e meu tempo se diluiu num turbilhão de asneiras. A TV cumpriu bem esse papel por bastante tempo, mas tropeçava na falta de interatividade. A internet se mostrou genial: ninguém pode ser acusado de te alienar do mundo ou da própria vida: em última análise é você quem faz isso a si mesmo. Você consome os conteúdos que escolhe, o problema principal se tornou o auto-boicote. Que há rotas diversificadas no mundo on-line, é óbvio, mas o que não é tão óbvio para os entusiastas dessa tecnologia é como ela facilmente extravia a mente pelo próprio modo como a informação é veiculada. Se a matéria básica da vida é o tempo, minha vida está sendo diluída e escorrida pelo ralo da estupidez e da insanidade coletiva. Um excesso colossal de informação inútil passa diante de meus olhos durante horas e dias da minha vida em frente ao computador acompanhando o ritmo das redes sociais. Somos viciados em um formato de conhecimento "fast-food", que não nos torna mais sábios e nem mais experientes, que não fornece absolutamente nenhum nutriente ao espírito. Da mesma forma apressada ("versátil e dinâmica" como poderia dizer um publicitário)  que obtemos tais conhecimentos os excretamos: sofremos de uma disenteria informativa. Eu troco toda a versatilidade e o dinamismo da moderna "time-line" pela poesia e a sabedoria dos Antigos. São 140 caracteres para compartilhar um pensamento, menos de um minuto para pensar. Nenhum segundo mais é dedicado ao silêncio, nenhuma paciência mais é tolerada. Os desinformados são mandados aos lazaretos, os desconectados ao degredo. Informática é a tecnologia da informação, qualquer informação, de preferência muita informação. Hora, informemos então o que nos importa, compartilhemos com todos o que há de melhor em nós... Mas o que importa de nossas vidas nem pode ser compartilhado por um upload ou postagem e nem é com uma "curtida" ou um comentário que devo participar de tais coisas. O mal reside em que a informação virou interativa, mas a interação mesma deixou de ser. 


4º) Mas muito disso era tão óbvio, por que se revoltar só agora?

                  A revolta não é nova. É antiga. E são três as motivações que impediram este importante suicídio virtual-social:


a) Sexo: Na lata, gente, redes sociais funcionam enormemente bem pra impressionar pessoas, achar afinidades, descobrir particularidades e combinar uma boa de uma sacanagem. Faz parte do ethos atual. Na minha geração interagimos socialmente pela internet muitas vezes antes da primeira relação sexual, a interatividade virtual está vinculada a quase todas as nossas esferas de relacionamento, a nossa sexualidade não é exceção.   Sexo é primordial sobretudo na juventude, quando o desejo explode em nossos corpos, se eu não conseguir mais fazer sexo com alguém por não ter um perfil no facebook, então eu volto correndo pro facebook. Mas não custa tentar viver sem, né não?

b) Comunicação: "E aí, blz?" - "Blz". Preguiça de ir na praça matear ou no boteco detonar uma gelada! É sério que a gente deixa de se encontrar pessoalmente estando uns a poucas quadras de distância dos outros? Eu mencionei isso acima, mas quando paro pra pensar que viramos uns otários de vinte e poucos anos com espírito octogenário, me sinto patético.

c) Notícias: Notícias podem ser parte daquele excesso horrível de informação que atordoa a nossa mente. Mas uma parte delas é importante. São nossos olhos para o resto do mundo; como não assisto TV, leio jornal impresso e nem escuto rádio, é pelas redes sociais que me informo na maior parte das vezes dos acontecimentos mais importantes por aí... Alternativas pra isso não faltam.

       Se a comunicação vai se tornar mais difícil depois desse suicídio é quase certo que sim. Mas não me importo; estou disposto a pagar o preço de ver o que sobra. Pra entrar em contato comigo basta ligar, mandar um e-mail, visitar este blogue, ou me esperar em meus caminhos.

Meu e-mail: rafa_mrod@yahoo.com.br

Meu telefone: (55) 91432408

Espero que nos encontremos pela vida, e que nossos laços se apertem de forma integral e legítima! Abraços!